Para iniciar , apresentamos um pouco a história das aranhas que tecem seus pontos criando redes imagináveis. Ela nos inspira nos trabalhos realizados pelos participantes dos grupos que pouco a pouco tecem seus escritos, reflexões, enfim criações.
Enquanto a aranha " baba" ela produz, assim estamos nós.. nos alimentando com teorias, conversas, trocas de experiências potencializando a capacidade de invenção em nós - individual e principalmente coletiva.
BABANDO UMA TEIA, BABANDO UM TRABALHO
Janeiro/2009
É importante destacar que as bases da terapia ocupacional, mesmo tendo sido organizadas e instauradas em uma outra época, ainda sim demonstra-se capaz de permitir ser re-pensada, re-inventada e restaurada a cada momento, devido ao dinamismo de nossa profissão.
Desta forma, sempre haverá coisas que iremos concordar e de certa forma será investido por cada um de nós, e também aqueles aspectos que não nos afeta, e serão colocadas em reserva deste cotidiano vivido. Porém, a diversidade do saber, do fazer e das interlocuções é que constituem a contemporaneidade da terapia ocupacional e do terapeuta ocupacional.
As tessituras deste fazer vão se compondo junto à prática desta clínica diversificada, que necessita e se faz de bons engendramentos, apropriação de territórios, criação de redes, fundamentação teórica, ampliação de leituras das relações e do ser humano e das intensidades dos encontros e desencontros que acontecem no setting terapêutico.
Devemos estar atentos às dinâmicas que vão se estabelecendo neste jogo de potências e nos ciclos que acontecem em tudo aquilo que é vivo. O cotidiano que se estabelece faz do tempo um grande aliado que se encarrega deste processo, montando e re-montando a orquestra de intimidades da vida, dos diferentes fazeres, dos desejos, das experiências e vivências, dos afetos, dos encontros e relações na clínica da terapia ocupacional.
Neste jogo de contatos com o outro, a partir da ótica da diversidade humana, nos possibilita grandes improvisações, desde que saibamos que a improvisação aqui é vista como potente caminho de criação de uma clínica da terapia ocupacional e não como disparador de atos infundados, descontextualizados ou sem sentido.
E esta clínica que acolhe a improvisação em seu cotidiano torna-se potente e oferece ao terapeuta e sua clientela novos jeitos de fazer e viver que atravessados por estes diferentes fluxos, se faz e re-faz em seu dia a dia.
Sugestões de leitura:
- LIBERMAN, Flavia. Delicadas coreografias: instantâneos de uma terapia ocupacional. São Paulo: Summus Editorial, 2008.
- LIMA, Elizabeth M. F. Araújo. Desejando a Diferença. Revista de Terapia Ocupacional da USP. São Paulo, vol. 14, nº 1, 2003.
Texto elaborado durante vivências e afetações do grupo realizado no ano de 2006.
As mesmas mãos que de frente uma para outra são símbolos do fazer, canais do sentir e que se movimental em direção ao desejo. O desejo do afeto, também de afetar e ser afetado.
Podemos afetar o outro com um simples toque, e nisso somos afetados por diferentes coisas, pode ser o acolhimento, um toque caloroso e aconchegante, pode ser também o da surpresa, por não estar esperando ser tocado. Mas, será que houve toque? Será que houve acolhimento?
Minhas mãos estavam lá, e estão paralisadas na fotografia, estão retratando um movimento e a sensação deste dia, e afetou-me de outra forma.
Houve momento de entrega e também momento de recolhimento. Ofereci minhas mãos, pude acolher com um simples movimento, e ao saber que precisava ser nutrido já havia se preenchido, as recolhi pra junto de meu corpo.
A imagem é real, a sutileza acontece, afetei e fui afetada, através do afeto sentimos a presença do outro e acontece um encontro.
Texto elaborado durante vivências e afetações do grupo realizado no ano de 2006.
O Seu Olhar Reflexos de um olhar para o horizonte: o que eu sou a partir do olhar do outro. (anotações e percepções vividas durante o grupo de estudos vivenciado – 2005/2006) – por Juliana D. Dimitrov
“Pensar naquilo que não faço. Por um momento, experimentar algo que não sou, mas que ainda assim, existe dentro de mim.
Abrir os ombros, olhar para cima, alinhar o quadril. Dor, aflição, ansiedade... Por que será que é tão difícil abrir mão daquilo que se é sempre, sem pensar um minuto sequer?
A troca das poses entre a dupla, a possibilidade de olhar e ser olhada me suscita muitas coisas na medida em que a proposta acontece...
Ao olhar, olho de baixo, de lado, de trás, de cima... Olho os pés, as unhas, a pele... A roupa, os cabelos, os olhos, a testa, as sobracelhas... Olho de longe, olho de perto...
E descubro, que olhando de baixo, lá, deitada no chão, que tudo se amplia; e relembro o quanto é bom olhar para cima, lá de baixo, no chão... É uma sensação boa, de amplitude, de acolhimento do mundo.
Olhar para cima deitada no chão, me lembrou ser criança... Lembrou-me correr até cansar e se jogar no chão depois, uma espécie de entrega... Uma entrega para o mundo.
Ao lembrar - me disso, de ser criança, me coloquei com as pernas abertas, com o tronco curvado, olhando entre elas, e vi tudo de ponta cabeça... O que era chão, naquela hora, virou teto.
E pensando bem, a vida é assim mesmo. Às vezes, ela tá de ponta cabeça, e a gente nem se da conta disso.
Mas o grande despertar, “o farfalhar de folhas, [a] perturbação desconhecida, uma espécie de cintilância” [1], me surgiu mesmo enquanto caminhava olhando para baixo; percebi naquele instante, o quanto olho para este chão que eu piso, todos os dias, o quanto olho tanto mais para os pés das pessoas do que para seus rostos, o quanto, às vezes eu me misturo com esse chão,me transformo nele... O quanto, outras vezes, eu quero ser o chão... E não posso ser.
Depois disso, caminhei olhando para o horizonte, para frente... E vi pessoas, rostos, o mundo... Vi sorrisos, me assustei, me diverti, me impressionei...
Andar olhando para frente, de peito aberto, me fez lembrar o quanto não ser chão, também é bom...
Percebi, que enfrentar o mundo de peito aberto não é fácil, mas é possível. Dolorido, mas possível.
Em alguns momentos, vi-me refletida no olhar dos outros, e notei o quanto aqueles olhares melhoram o meu... O quanto estes olhares me fizeram e me fazem bem...
Permitem que eu me veja, refletida diante de um outro prisma, em uma outra história, que também é minha, mas que esta esquecida, e que há tanto tempo não faço parte...
Compreendo de novo e finalmente, que, para me lembrar de ser e viver histórias, preciso, involuntariamente, do olhar do outro.”
[1] A Nau do Tempo Rei” – Peter Pelbart
Texto produzido por Iara Marques
do Grupo de Estudos Vivenciados: Delicadas Coreografias - 2008
A vida acontece de um jeito interessante, o que pude perceber no decorrer do tempo é que não importa como, mas ela acontece. Digo isso não como algo que queira ser poético, mas sim como algo que é.
Meu interesse pelo grupo de estudos partiu de uma experiência: o teatro.
Ah o teatro....
Tem pessoas que são pegas pelo estômago, eu fui pega pela afetação que aquela experiência me proporcionou.
Minha idéia de trabalhos com o corpo era bem diferente da que sinto agora. Afinal, ser afetado e afetar, nem sempre é algo fácil.
A cada novo encontro eu crio novos encontros comigo e a partir desses encontros surgem novas conversas e inúmeras possibilidades de explorar aquilo que sou, quem sabe de um jeito diferente do que entendo que sou.
Os encontros com os corpos me vivificam, me dão contorno e me ajudam a criar mecanismos para vingar.
Através do vivido, do experimentado eu percebo quem sou, nomeio melhor aquilo que sinto, e o que antes era invariavelmente estático se movimenta, permitindo que eu me aproprie de um corpo que é meu e que a partir disto, pode seguir desperto.